quarta-feira, 30 de abril de 2008

Aparências

Ontem pela manhã, durante minha caminhada diária a caminho do trabalho, um rapaz me abordou e perguntou se aquela era a agência do banco HSBC ali perto do shopping Guararapes. Na hora os velhos instintos de paulista vieram à tona e “medi” o sujeito de cima a baixo, tentando prever algum golpe como tantos que acontecem diariamente nas ruas. Eu estava vestido com tênis, short, camiseta, boné e mochila; ele usava calça jeans, sapatos estilo mocassim, camisa de abotoar, de manga curta e para fora da calça; era moreno queimado de sol e tinha bigode e cabelo preto. Enfim, aparência limpa, de um trabalhador como tantos outros que a gente encontra nas ruas. Nada que me fizesse pensar tratar-se de um bandido. E realmente não era.

Primeiro respondi que não sabia direito, até porque não era cliente daquele banco. Ele me estendeu um papel e perguntou novamente, se aquela agência era a mesma que estava anotada ali. Peguei o pedaço de papel escrito com boa letra e conferi que o endereço estava correto. Só aí reparei no detalhe: o rapaz era analfabeto. Talvez só soubesse assinar o próprio nome ou nem isso. Ele havia decorado as informações mais importantes: que a agência era numa avenida grande perto do shopping. Eu não precisava deduzir se era ou não, estava escrito no papelzinho o nome da avenida e o número do prédio.

Aparências podem enganar qualquer um a qualquer hora. Eu estava me preparando para qualquer tipo de malandro ou assaltante, mas não previa um rapaz analfabeto. Enganos da vida moderna e de uma sociedade cada vez mais amedrontada pela violência. Se eu fosse um turista no Rio de Janeiro e a cena se repetisse, nem teria parado para dar atenção, trataria logo de ganhar distância do desconhecido. Parece que infelizmente a conjuntura nos força a assumir preconceitos que não tínhamos e não gostaríamos de ter.

Lembrei agora da música “Rei do gado”, famosa na interpretação de Tião Carreiro e Pardinho. Conta um “causo” sobre um rico e arrogante fazendeiro de café que, certo dia, encontra um forasteiro num bar. Após vangloriar-se de todo café que produzia e das riquezas que possuía, o “barão” do café descobre que o sujeito de aparência humilde era na verdade um grande criador de gado. Essa é uma das mais famosas modas de vila sertaneja do Brasil.

Acredito que haja uma “Lei de Murphy” para essas ocasiões, nas quais o apressado em julgar seus semelhantes geralmente se dá mal ou é ridicularizado por sua conclusão precipitada. Já presenciei alguns acontecimentos desses e ouvi falar de outros tantos. Um velho amigo conta que, durante viagem ao interior de Goiás, enquanto prestava serviços a um cliente que ele imaginava ser proprietário de um pequeno sítio, foi testemunha de um desses julgamentos precipitados. Logo no primeiro dia o tal cliente, “seu“ José, chamou meu amigo para acompanhá-lo a uma loja, pois precisava comprar alguns implementos agrícolas. Chegando na loja, “seu” José foi olhando algumas máquinas e acessórios e um vendedor logo veio lhe cumprimentar e perguntar o que desejava. “Seu” José disse que precisava comprar uma moto serra e o vendedor o levou, juntamente com meu amigo, até uma mesa e deixou-os sentados lá enquanto ia pegar um catálogo.

Nesse meio tempo meu amigo pensava: “Puxa, que vendedor bacana, acho que já conhece o “seu” José. Uma moto serra é caríssima. Coitado, acho que vai dividir em mais de vinte pagamentos, pagando juros altíssimos”.

O vendedor não demorou muito e voltou com alguns catálogos, com marcas e modelos de moto serra. “Seu” José escolheu uma de tamanho e potência médios e, depois de saber quanto custava, disse ao rapaz:

- Ocê faiz um discontinho baum nessa moto serra?

- Claro, “seu” José! O senhor sabe que aqui o cliente sai sempre satisfeito, ainda mais o senhor, que já é nosso cliente há tantos anos. Vejamos, tirando aqui 10% fica em “x” a moto serra, ta bom pro senhor?

E meu amigo em pensamento: “Vixe, que máquina cara! Mas 10% é um desconto bom, quem sabe “seu” José consiga pagar com um bom financiamento”.

Nesse instante “seu” José saca do bolso um pacote de notas de cinqüenta reais e coloca em cima da mesa, dizendo:

- O sinhô pode contá pra vê se tá tudo certo? Acho que tem troco ainda.

Meu ficou estupefato, arregalou os olhos e abriu a boca.

O vendedor, com a naturalidade de quem estava acostumado com essas situações, contou as notas, retirou o valor suficiente para pagar a moto serra, foi até o caixa e voltou com o troco e a nota fiscal. Ainda perguntou:

- O senhor vai levar agora ou quer que mande entregar na fazenda?

- Pode entregá por lá mesmo, porque eu tenho que fazê uns negócio pela cidade ainda.

- Pois não, “seu” José. Logo depois do almoço já estará entregue.

- Entaum ta ótimo, Marcelo. Vô andando pra módi conversá com o gerente do banco. Inté mais.

- Até logo, “seu” José. Abraço na família.

- Iguarmente.

Bom, no restante da viagem meu amigo descobriu que “seu” José não era um sitiante, mas um grande fazendeiro, que era muito querido e respeitado em todos os lugares aonde ia, que não confiava muito em guardar dinheiro no banco, preferindo guardar a maior parte na fazenda e, principalmente, que não aparentava nem de longe ter tudo que tinha em bens materiais.

Todo mundo já ouviu aquele provérbio “as aparências enganam”, mas nunca é demais reforçar a verdade contida nessas palavras.

Utilizando outro dito da sabedoria popular, “nem tanto ao mar nem tanto à terra”, acho que é inevitável alguns julgamentos que fazemos no cotidiano, mas isso é assunto pra outra crônica, senão esta aqui vai virar uma epístola.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Vem aí mais um feriado

Vem aí mais um “feriadão” do dia do trabalho. E já circula há muitos anos aquela piada: “ninguém trabalha no dia do trabalho”. Piadas à parte tem gente que trabalha todos os dias, seja feriado, dia “santo”, luto oficial etc. Claro que a maioria descansa, muitos emendam a quinta com a sexta (principalmente quem trabalha no setor industrial) e outros não estão nem aí se é feriado ou não. Me enquadro nesse último grupo atualmente.

Há ainda outro grupo, daqueles que comemoram à moda sindicalista o feriado de 1º de maio. Vão aos shows, vestem as camisas com publicidade do sindicato, do partido ou da empresa, participam ativamente dos eventos em qualquer lugar que estejam. Antigamente eu não entendia como é que esse povo tinha ânimo pra passar um dia todo de agitação e festa e ir trabalhar no dia seguinte, quando calhava de ser dia útil da semana. Depois comecei a prestar atenção e percebi que, quando o 1º de maio cai na quarta-feira, o governo “joga” ou pra sexta ou pra segunda. Quando cai de terça ou quinta o povão emenda mesmo (quem trabalha no comércio geralmente não pode fazer isso).

Eu adorava emendar feriado quando era estudante. Não via a hora de chegar um feriado e já ia combinando com a galera o que iríamos fazer, jogar bola, jogar banco imobiliário, passear de bicicleta pela cidade, ir atrás de umas “gatinhas” (na adolescência)... Mas desde que fiquei adulto tenho tido outra idéia a respeito dos feriados. Hoje em dia acho que há excesso de feriados no Brasil. Durante o período que trabalhei como autônomo em Salvador chegava a detestar alguns feriados, porque tinha a nítida impressão que isso travava o ritmo de tudo. A gente mal começava a engatar a segunda marcha depois do Reveilon e logo vinha o carnaval ou algum feriado regional para brecar o ritmo. 2004 mesmo foi um ano que posso descrever como “sincopado”, tal qual um samba de breque com muitos breques.

Se eu estivesse lendo o que acabei de escrever, na época que era adolescente, pensaria com certeza: “Que cara chato! Tinha que ter é mais feriado”. Ah, os tempos de juventude sem compromissos...

Tenho uma amiga proprietária de escola de informática que odeia mesmo os feriados. E de uns tempos pra cá ela decidiu não emendar mais nada. Se o feriado cai terça ou quinta, a empresa dela funciona normalmente na segunda ou sexta. Como a escola oferece também serviço de cyber café, sempre aparecem clientes. Certa vez ela comentou comigo: “- Imagine aí se num mês tivermos três feriados, um em cada semana e que possa ser emendado... No final do mês vou ter que tirar dinheiro do meu bolso pra pagar os funcionários, porque não vou ter tido lucro”. Pois é, novamente temos o exemplo da relatividade das coisas. O que uns adoram e aguardam ansiosamente pode ser o pesadelo de outros. Ao longo da vida nosso ângulo de visão vai mudando.

Aproveitando o assunto feriados, confesso que nunca entendi o 21 de abril direito. Na escola ensinaram que Tiradentes foi um mártir, herói, blá blá blá. Depois que saí da escola e comecei a conhecer a história pra valer, aquela que não está nos livros didáticos, não vi mais motivo para tanto alarde com essa coisa de inconfidência. Pegaram o José Joaquim da Silva Xavier pra bode expiatório, esquartejaram o sujeito e fizeram charque dele (com muito sal grosso) pra enviar os pedaços para outras cidades, e no fim das contas todos os outros traidores acabaram numa boa. Tremenda sacanagem com o pobre dentista. A data mais coerente para feriado seria 22 de abril, em comemoração ao “descobrimento” do Brasil (assim mesmo, com aspas). Percebi que tem um monte de gente que pensa como eu, mas esse não é o tipo de assunto que deva preocupar os deputados e senadores. Digo não deve com a esperança que eles tenham realmente coisas bem mais importantes para se preocupar em discutir e votar. Aliás, aproveito para recomendar a quem tiver um tempinho, visite o site da Câmara dos Deputados (http://www2.camara.gov.br) e dê uma olhada nos projetos de lei apresentados pelos parlamentares. Há coisas bem interessantes e outras nem tão interessantes, depende do ponto de vista. Tempos atrás me cadastrei para acompanhar a votação de um projeto de lei e tenho recebido e-mails sobre o andamento da proposta, algo que é ótimo para quem quer acompanhar os rumos que os políticos estão dando ou querem dar para seus eleitores.

Mas prepare também um chazinho de erva cidreira, pois sua reação pode ser mais indignada do que espera.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Lembranças

Por que é que a gente às vezes se refugia em lembranças do passado? De preferência as boas? A explicação técnica e psicológica não sei direito, mas tenho uma teoria: buscamos bons momentos no passado quando não conseguimos viver momentos tão bons no presente. Pelo menos é o que acontece comigo. Quando me encontro em situações de estresse, solidão, tédio, frustração e outras onde se manifestam sentimentos negativos, imediatamente me vem à mente alguma boa lembrança, geralmente da infância ou adolescência.

Já ouvi especialistas comentarem sobre s “fugas” que o ser humano busca quando não quer ou não consegue resolver algum problema ou superar uma crise. Alguns bebem, outros buscam drogas pesadas, outros praticam esportes alucinadamente, mergulham no trabalho, alguns reagem violentamente e tentam destruir o objeto causador da crise... Me enquadro no grupo dos que se refugiam em boas lembranças. De vez em quando me dou ao luxo de tentar reproduzir bons momentos vividos, geralmente em algum encontro de amigos como um churrasco, aniversário, réveillon etc.

Claro que não dá para reproduzir fielmente o passado. Há um provérbio assim: “quando você atravessa um rio, ao chegar na outra margem, nem você nem o rio são os mesmos”. O que dá para imitar são as sensações de prazer, em minha opinião. Várias vezes consegui resgatar a mesma sensação de bem-estar e alegria sentida em ocasiões do passado, com pessoas totalmente diferentes. Considero isso um dos privilégios da mente humana. Será que algum outro ser vivo consegue executar essas projeções mentais conscientes? Desafio para os cientistas desocupados da Nova Zelândia, como diria Jô Soares. Espero que nenhum psiquiatra leia isto e, se ler, não se manifeste, por favor.

Mudando de assunto e ficando no mesmo, queria comentar sobre as confraternizações, também conhecidas por encontros sociais e outros nomes. Há quem me considere um ser anti-social, mas é mentira. Gosto de estar entre amigos e pessoas agradáveis (agradável para uns nem sempre é para outros, bem entendido), gosto de churrascos mais do que festinhas de aniversário. Gosto especialmente de estar com meia dúzia de amigos em algum barzinho aconchegante, jogando conversa fora e tomando cerveja bem gelada. Talvez me considerem anti-social porque não é sempre que estou motivado para ir a esses encontros. É algo muito pessoal, não gosto de “ser obrigado” a ir onde não quero, mesmo que pareça do ponto de vista de terceiros um evento imperdível. Se você leitor não quiser que eu vá a algum lugar é só dizer algo como: “você tem que ir”, “você não pode faltar”, “prometemos pra fulano que você também iria”. Essa última frase é fatal. Jamais se comprometa com alguém em meu nome. Considero isso uma grande falta de educação, de bom senso e invasão de privacidade. Você não precisa entender porque eu quero ou não quero ir a tal lugar, basta respeitar minha decisão.

Falando em entender, tem coisas que são engraçadas. Um grande amigo tem uma filha pequena que está na fase do “por que”. As mais diversas perguntas sobre os mais diversos assuntos, desde “por que a gente sente fome?” até “por que você vai embora?”. Mas hoje não quero comentar sobre crianças. Queria comentar que há adultos que parecem crianças dessa fase e parecem ter uma necessidade incontrolável de saber o porquê de tudo, mesmo aquilo que não lhes interessa absolutamente. Infelizmente esse tipo de curioso acha que tudo lhe interessa. É o que na minha família chamamos de “sujeito entrão”, ou seja, que não tem “semancol”, que vai chegando e bisbilhotando em tudo, sem perceber que isso incomoda aos que estão em sua volta.

Quando conhecemos alguém assim geralmente relevamos a inconveniência por se tratar de um estranho. O duro é quando o estranho vai se tornando conhecido e acaba querendo aprofundar sua curiosidade sobre nossa casa, nossa vida, nosso círculo de amizades. Criaturas assim não conhecem limites, por mais indiscreta que pareça uma situação. Querem saber detalhes de tudo. Antigamente eu tinha mais paciência com isso, hoje em dia costumo cortar a conversa bem rápido. Mas de vez em quando é divertido criar respostas interessantes para perguntas chatas desses chatos:

- E aí, rapaz, como foi lá com a Dani no motel?

- Foi incrível! No caminho pegamos três amigas dela, um anão que tava dormindo na praça e um vira-lata que passava na rua, fomos todos pro “Love Burns” e fizemos o maior bunda-lelê da história!

- ... (cara de espanto e incredulidade do sujeito). É sério??

- Claro que não, mas você viajou na maionese agora hein! Hahahaha.

Ter paciência com os chatos é uma coisa normal, mas é que eu tenho que manter a minha fama de mau.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

O padre voador e outras notícias

O que será que leva um padre a sair voando pendurado por um monte de balões? Quebrar um recorde? A busca de um modo mais seguro de viajar, evitando as perigosas companhias aéreas e seus constantes acidentes? Pedir a bênção de Deus pessoalmente?

A versão oficial, segundo os noticiários seria a quebra de um recorde mundial. Não me lembro de algum padre no livro Guinness, talvez esse viesse a ser o primeiro. Viesse a ser não, venha a ser, porque ainda não acharam o padre (até hoje, quando escrevo esta) e pode ser que ele esteja vivo e tente de novo a façanha.

Independentemente do desfecho da aventura, o “povão” já inventou uma piada de humor negro para o padre. Teriam dito a ele que as criancinhas vão para o céu, por isso ele resolveu voar para ver se pegava um garotinho. Piada de mau gosto, mas compreensível em vista da crise que a igreja católica vive há tempos pelas denúncias de pedofilia. Na era da informação globalizada nada mais fica escondido por muito tempo.

E o Paraguai está querendo rever o acordo sobre a usina de Itaipu. Segundo o tratado firmado em 1973, o Paraguai poderia vender ao Brasil a energia que não consumisse. Essa venda tem sido feita há anos por valores bem abaixo do mercado. Não vou entrar em cálculos e explicações, mas pelo que pesquisei o Paraguai recebe cerca de US$3,00 (três dólares) por megawatt, quantia que motivou as discussões pelo aumento.

Diplomacias à parte, o que está parecendo há algum tempo, desde que o Evo Morales estatizou as refinarias da Petrobrás na Bolívia, é que os vizinhos do Brasil estão “acordando” para a oportunidade de tirar cada qual sua casquinha deste país, que, tal qual os gigantes dos contos de fadas, é grande e bobo. O que virá depois? Talvez acordemos um belo dia e percebamos que o Suriname nos tomou a Amazônia. Brincadeira, o Suriname não, mas tem um monte de gente por aí com poder de fogo interessado na nossa parte da floresta.

Ficando no país, mas mudando de assunto, essa história dos terremotos está pegando a gente d calças curtas. Acho que todo mundo até a minha geração aprendeu que no Brasil não havia terremotos. Provavelmente os terremotos não aconteciam por aqui com intensidade perceptível desde antes da chegada de Cabral, por isso essa crença estabelecida. Será que os índios têm lendas a respeito de terremotos em Pindorama? Alguém podia perguntar. Eu perguntaria, mas não conheço nenhum índio legítimo, apenas uns descendentes aculturados demais e desligados das tradições dos seus antepassados.

Até hoje nunca presenciei um terremoto. Esse último que ocorreu dia 22 parece ter sido o mais intenso ocorrido no país. Muita gente em São Paulo disse ter sentido os tremores. Perguntei a meu irmão, que mora a 190Km da capital, mas ele disse que não sentiu nada. Também tem muita gente dizendo isso e provavelmente há pontos do estado mais sensíveis que outros.

Certa vez alguém me disse que, infelizmente, temos que nos conformar com o “menos pior” nas situações de crise. O filho pegou o carro sem permissão e bateu? Conforme-se que pelo menos ele não morreu. Sua filha chegou da balada com o dia amanhecendo e completamente bêbada? Conforme-se de ter constatado depois que ela não está grávida. Aplicando o método no Brasil acho que temos que nos conformar por não haver vulcões ativos por aqui. Já bati três vezes na madeira, fique tranqüilo.

Pois é, meus amigos, como já cantava sabiamente Chico Buarque:

“Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando e também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão”.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Experiência

Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei”.

Embora já tenha lido, ouvido e mesmo repetido esta frase inúmeras vezes, até hoje não sei se existe um lugar chamado Pasárgada, ou se Manuel Bandeira estava apenas usando uma figura de linguagem.

Várias vezes desejei estar em lugares totalmente diferentes dos quais me encontrava, especialmente em situações que exigiam decisões importantes ou posicionamentos pessoais mais delicados. É a velha história de querer que a terra se abra e nos engula para podermos sumir dali bem rápido.

Tenho, entre outras características psicológicas, a facilidade de adaptar meu pensamento e comportamento a vários tipos de manifestações culturais e filosóficas. Como quando li uma série de livros sobre a cultura árabe e desejei ser um muçulmano, tentando adaptar meu raciocínio à lógica dos povos do oriente médio. Ou quando estudei sobre zen-budismo e desejei ser um monge, um eremita, isolado em alguma montanha no Himalaia, em busca da verdade do universo. Também já me imaginei como um judeu dos tempos bíblicos, tentando estruturar minha crença e costumes em meio à inúmeras pequenas guerras por controle de territórios.

Enfim até hoje não sei se é apenas uma característica pessoal ou um problema psicológico real, do qual a denominação ignoro ainda. Talvez um desvio de personalidade, talvez múltiplas personalidades, talvez personalidade nenhuma. O fato é que convivo com isso desde que me conheço por gente e, aos trinta anos, não imagino se um dia deixarei de ter esses exercícios mentais (pela falta de melhor nome agora).

Já tive várias crenças diferentes. Já acreditei que havia um São Jorge na lua; já acreditei que o homem havia chegado lá (hoje não tenho certeza); acreditei que os comunistas eram maus e queriam destruir o mundo; acreditei que o mundo era injusto, mas haveria uma justiça segura esperando pelos que fizessem boas obras em vida; acreditei que os professores sempre tinham razão e sabiam a verdade de tudo que nos ensinavam; acreditei que se você amasse alguma coisa ou alguém com todas as forças e por muito tempo, esse amor seria correspondido, ou eu seria recompensado ao menos em parte por amar demais; acreditei que somente com trabalho honesto e estudo se pode crescer na vida e realizar nossos sonhos (pelo menos a parte da honestidade sempre foi meu forte). E acreditava em um monte de outras coisas, grandes ou pequenas, que, ao longo do tempo, ou foram perdendo o sentido ou modificando seu sentido original perante meu entendimento, que também se transformava conforme eu amadurecia.


Mas nós, seres humanos bípedes e dotados de raciocínio lógico somos complexamente interessantes e imensamente fascinantes em nossa diversidade psicológica. Acho que alguém já fez essa analogia, senão, faço-a eu agora: o ser humano constrói castelos de areia sempre mais caprichados, só para derrubá-los e construir outros, sucessivamente. Uma analogia não tão radical se comparada à prática de alguns monges tibetanos, que confeccionam completíssimas mandalas multicoloridas, só para admirá-las por alguns instantes e logo depois destruí-las e iniciar a confecção de outra totalmente diferente. È, para mim, uma das mais belas demonstrações da transitoriedade do universo e do desapego aos bens materiais. Nunca chegamos a possuir algo realmente, pois a certeza sobre a vida se esvai em um instante chamado morte.

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Escrevi o texto acima em 2006, mas continua incomodamente atual.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Hoje tem poesia

Escrevi esta em 2002 mas, como a vida parece vir em ciclos que, às vezes`se repetem, as palavras abaixo continuam fazendo muito sentido.

Íntimas batalhas

Existe uma guerra acontecendo
Um lado sentindo e outro lado pensando
O amor e a razão litigando
Um recuando e o outro vencendo

A razão em vantagem pela pureza
O amor em entrega pela verdade
A razão criticando a saudade
E o amor sucumbindo à certeza

Por dentro sou todo trincheiras
Por fora o equilíbrio aparente
Guerreio, mas não sou valente
Sou criança, mas sem brincadeiras

O verso que surge à socapa
É o reflexo de um conflito infindo
Se o clarão da razão é bem-vindo
A leveza do amor é bem grata

No todo procuro uma parte
Na parte um oposto reflexo
Que ligue o perfeito e o sem nexo
Que una o engenho e a arte

Não procuro o sentido lá fora
As respostas estão aqui dentro
Esta guerra me traz um alento
E seu fim é o que mais me apavora.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Cana brava

- O negócio da cana ta esquentando, hein mano?

- Que negócio da cana, mano?

- Esse negócio de plantar cana em todo lugar. Tão dizendo por aí que não vai sobrar terra pra plantar comida. E a gente vai comer o quê?

- Cana?

- Comer cana, Mané? Se liga! De vez em quando é bom tomar um caldo de cana, comer melaço, rapadura, essas coisas. Mas comer cana não dá, ainda mais todo dia.

- Mas será que é verdade esse negócio de não ter terra pra plantar arroz e feijão? O Brasil é muito grande, cara. Acho que dá pra plantar cana e feijão, tranqüilo.

- Sei lá. Os gringos disseram que vai faltar comida no mundo todo se as plantações de cana crescerem do jeito que tão crescendo.

- Ah, peraí. Essas conversas de gringo não dá pra acreditar assim não, mano. Já disseram tanta besteira sobre o Brasil que não dá pra botar fé no que eles dizem.

- Com certeza, com certeza. E tem mais. Parece que os Estados Unidos tão fazendo pior que a gente, porque o álcool que eles fazem lá prejudica muito mais a fome no mundo que o nosso álcool. Eles tiram álcool do milho.

- Do milho?? Ué, mas eu pensei que do milho só saía fubá, pipoca e ração. Dá pra tirar álcool do milho também?

- Eles tiram. De que jeito não sei, só sei que tiram.

- Pô, mas aí é sacanagem, porque o milho dá pra comer muito mais que a cana. Dá pra assar a espiga, cozinhar com água e sal, fazer pamonha, curau, canjica, fubá. Até mel de milho tem por aí, aquele tal de Karo.

- Pois é, mano. E por isso também o álcool deles é bem mais caro que o nosso. Fazer álcool de milho dá mais trabalho, custa mais caro e rende menos que o nosso, de cana de açúcar.

- Então estamos por cima nessa, hein mano! Nosso álcool é mais barato e rende mais que o dos americanos. Vamos vender muito mais que eles. Até onde eu sei não dá pra plantar cana lá nos Estados Unidos.

- Talvez dê, mas não tanto quanto aqui. Em matéria de cana o Brasil é campeão.

- A taça do mundo é nossa, mano! No futebol e na cana.

- É, mas voltando ao assunto, tão dizendo que a gente precisa plantar mais comida.

- E a gente não planta? Esses dias mesmo vi na televisão que a safra vai ser maior que a do ano passado, que já tinha sido maior que a de 2006. Comida não ta faltando aqui.

- Mas ta faltando no resto do mundo, ou pelo menos na África.

- Pô, mas na África sempre faltou comida, desde que eu me conheço por gente. Todo ano sai na TV alguma notícia sobre fome na África. Mas como é que eles passam tanta fome lá? A África é quase do tamanho do Brasil, não é? Eu lembro que no atlas da escola a gente via a África grandona, num formato até parecido com o do Brasil.

- Grande ela é, mas não é um país só, são vários. E a maioria é pobre, na miséria mesmo, que nem as favelas do Rio e São Paulo.

- Mesmo assim, por que é que eles passam fome lá? Não plantam comida nenhuma?

- Não sei, devem plantar alguma coisa. Parece que plantam café, banana, trigo e não sei mais o quê. Mas o negócio pega mesmo é na parte política. Os caras não se entendem por lá. É guerra atrás de guerra. Deve ser por isso que não tem comida. Passam tanto tempo em guerra que não têm tempo pra plantar.

- Sei lá, mano. Mas e aí? Se a gente plantar menos cana e mais comida aqui no Brasil, resolve o problema deles lá na África? A gente vai vender comida mais barato pra eles?

- Não sei. Mas aí fica complicado né? O povo aqui pagar mais caro pela comida do que o pessoal da África, que tá longe pra caramba.

- Acho que não seria justo com o povão do Brasil.

- Também acho. Mas isso é complicado. É negócio pros políticos pensarem.

- Xiiiii. Já vi tudo. Bom, enquanto isso, o melhor que a gente faz é prestigiar o produto nacional.

- Com certeza. Ditão, manda mais duas cachaças pra cá.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

À Margem

Dias atrás encontrei um colega, o Sancho (não é do Quixote, mas tem pança também). Disse-me que precisava comprar um celular com câmera, mas os preços estavam “salgados” nas lojas que ele tinha visitado. Comentei com ele que faço questão de ter um celular do modelo mais básico possível, sem câmera, sem MP3, sem filmadora etc. Não que eu não quisesse ter um celular com tudo isso, mas a realidade das ruas nos chama ao bom senso e à praticidade. Paguei R$80,00 no meu aparelho e ainda tive a sorte de pegar um modelo bonito, preto com visor azul, leve e fininho.

Depois de alguns minutos, Sancho comentou que perto da casa dele tem um sujeito que vende aparelhos, hã, digamos, no mercado paralelo informal, sem nota e sem procedência. É, roubados mesmo. Cinqüenta reais cada um, com câmera e MP3. Meu colega se apressou em dizer que nem cogitava comprar tal mercadoria, pois na primeira blitz que a polícia fizesse na área e perguntassem ao “vendedor” para quem ele tinha passado os celulares, poderia sobrar bronca para ele também. Achei uma atitude sensata e honesta. Mas Sancho fez o comentário que derrubou o castelinho de cartas:

- Se ainda fosse lá para as bandas de Prazeres ou Cajueiro Seco, onde ninguém me conhece, vá lá. Podia até pensar em pegar um celular com câmera.

Ah bom, aí sim! E no mesmo instante lembrei do provérbio antigo: “o que os olhos não vêem, o coração não sente”.

Sancho passa tranquilamente por um cidadão honesto, cumpridor dos seus deveres, pagador dos seus impostos, respeitador de filas e de senhoras idosas. Mas tem uma parte dele, não sei se na cabeça, se na barriga, se na banda esquerda da bunda, que não resiste à tentação do ilícito, do proibido para os outros, do que é mais fácil. Aquele “jeitinho” que todo mundo diz que os brasileiros têm, e que o imbecil do Gérson imortalizou há vários anos, numa propaganda de cigarro. Na verdade, imbecil foi o cara que criou a tal propaganda. O Gérson apenas interpretou a patacoada e acabou batizando a “lei da vantagem” com seu nome.

Comprar produtos roubados é uma das coisas mais fáceis que há neste país. Assim como é fácil comprar drogas, documentos e pessoas. Pessoas costumam ser mais caras, sobretudo no sul e sudeste. Quem não pode comprar tem a opção de alugar, sempre há mercado para isso.

O que ainda me espanta (mas não deveria) é a atitude de pessoas aparentemente honestas, e que muitas vezes criticam abertamente a criminalidade e a violência do cotidiano, aderindo a soluções longe da legalidade na primeira oportunidade que aparece.

Fazer o quê? Alguma sugestão?

Baixar os impostos? Reduzir a burocracia? Melhorar a qualidade das polícias? Investir em educação? Fuzilar um monte de políticos bandidos? Ir embora pra Pasárgada?

Idéias do que fazer para reduzir a criminalidade no país há centenas, sérias e absurdas, para todos os gostos.

O que falta mesmo é gente de peito pra colocar em prática.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Comida

Recentemente assisti um pequeno documentário na TV, sobre comidas exóticas.

Cheguei à conclusão que a China é um excelente lugar pra jejuar. Sim, porque, segundo já haviam me dito uma vez, e o repórter mencionou na matéria, os chineses comem praticamente tudo que se mexa, voe, pule e rasteje. Acho que só não comem uns aos outros devido ao excesso de oferta no mercado. Como há muita variedade de outros seres vivos, os chineses podem se dar ao luxo de esnobar seus semelhantes na hora de compor o cardápio. Cá por estas bandas os Tupinambás (ou os Caetés, há controvérsias) comeram o bispo Sardinha, no século XVI. Mas bispos não deviam ser um prato muito recomendável, haja vista que só atingem esse posto na hierarquia eclesiástica quando já estão na casa dos cinqüenta anos, o que tornaria sua carne menos macia e palatável. Creio que os chineses também não apreciam os bispos na sua dieta.

A matéria mostrou comidas de outras partes do mundo, inclusive do Brasil. Em matéria de esquisitices, temos um belo representante, o tal de Turu, molusco com o qual se faz um caldo, prato típico da ilha de Marajó, no norte do país. Mas seguramente não podemos nos comparar com a China, Tailândia, Coréia ou outros países do oriente, desde o médio até o extremo. Por aquelas bandas se come de tudo, o tempo todo. Vi farofa de larvas com formigas vivas, escorpiões no espeto, gafanhotos (uma das iguarias consumidas por velhos profetas da bíblia cristã, como Elias e João Batista), larvas de bicho-da-seda, sushi de carne de cavalo... Aliás, um amigo que já comeu carne de cavalo corroborou a opinião da repórter, afirmando que se trata de uma carne mais macia que a de vaca. Talvez um dia eu prove, mas assada, não crua como os japoneses adaptaram.

Saindo da área dos exóticos e entrando na dos pratos “comuns”, ainda hoje há comidas que evito e não tenho a menor vergonha de recusar: fígado, jiló e dobradinha. Não gosto, não como, não tenho vontade de provar em lugar nenhum, por mais diferente e apetitosa que seja a versão de receita. Meu limite é o sarapatel e, mesmo assim, só se eu estiver vendo o preparo.

Cada dia que avançamos no futuro parece que comemos pior. A tal de “fast food”, mais que uma opção, quase uma obrigação nas metrópoles e grandes centros comerciais e industriais, vai entupindo lentamente nossos organismos com gordura saturada da pior espécie, aquela que gruda nas paredes das artérias e dá um trabalhão pra desgrudar. Pior é quando a gordura miserável fecha a passagem do sangue, aí é infarto fulminante. Posso até não ser um exemplo de consumidor consciente em matéria de alimentos saudáveis, mas estou longe de consumir os “big macs” e “combinados” da moda. Se por um lado não como tão bem quanto deveria, por outro dou uma balanceada com maças, bananas e um pouco de aveia, de vez em quando.

O que me intriga é o seguinte: a comida dos orientais pode ser exótica para nosso gosto, mas não se escuta muito falar em chineses com obesidade mórbida ou japoneses balofos (salvo os lutadores de sumo). Acho que se colocarmos na balança, a dieta deles é mais saudável que a nossa.

Bom apetite.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Os Retornos

“Voar, voar, subir, subir...” Começa assim a música “Sonho de Ícaro”, provavelmente o maior sucesso do cantor Biafra. “Eu perguntava do you wanna dance; E te abraçava do you wanna dance...” Essa, do Roupa Nova, também tocou até dizer chega, nos anos 80. Lá vai mais uma: “Menina veneno, o mundo é pequeno demais pra nós dois...”

Eu poderia encher várias páginas com músicas que marcaram os anos 80, tanto nacionais quanto internacionais, mas seria perda de tempo, porque elas continuam tocando em rádios do Brasil inteiro. Há pouco tempo finalmente percebi como funciona essa coisa de “revival”, ou retorno de modismos do passado. Basicamente tudo que fizer sucesso nesta década será “revivido” daqui a duas décadas, ou seja, entre 2020 e 2030. E por que esse intervalo de vinte anos? Para dar tempo de os garotos tornarem-se homens, terem filhos, e começarem a ter crises de nostalgia das suas épocas de adolescência. Vamos analisar um pouco.

Na década de noventa tivemos um “revival” dos anos 70. Nesta primeira década do século 21 estamos tendo o “revival” dos anos 80. Nos anos 80 lembro que a galera cultuava muita coisa que tinha sido moda nos 60, e por aí vai. Há aqueles, como eu, que consumiram a pizza “meio 80 meio 90”, vivendo um pouco de cada época. Não posso reclamar, afinal, me lembro dos principais fenômenos de público dos dois períodos: Madonna, Menudo, Balão Mágico, Xuxa, Silvio Santos (esse veio dos 70, mas ta aí até hoje), Rock in Rio (infelizmente não fui, porque era muito jovem), New Wave (a moda), Blitz (a banda), Guns and Rose, New Kids on the block, Titãs, Paralamas, Legião Urbana, Cazuza, Plano Cruzado I e II, Confisco do dinheiro pelo Collor, Volta do Fusca e novo fim do fusca, Karatê Kid, acessórios e roupas da O.P., Genius, He-Man, Backstreet Boys, AIDS, camisinha, Exterminador do Futuro I e II (os melhores), Ayrton Sena, Vinil e CD Player, VHS, Nirvana, Sandy e Junior aos domingos (sim, eu assistia) e mais um monte de representantes das duas décadas, que qualquer um com acesso à internet pode encontrar facilmente em questão de minutos, em vários sites diferentes. Claro que fiz uma tremenda salada, mas quem for mais atento conseguirá reconhecer o que pertence a qual época. Ou não.

Se eu pudesse ou tivesse que escolher, voltaria aos anos 80, sem dúvida. Menos violência nas ruas, mais passeios, mesmo com pouco dinheiro, mais alegria nas pessoas, um resto de inocência ainda respingando pelas janelas, enquanto a moçada ensaiava uma nova rebeldia para os anos seguintes. É, ser criança nos começo dos anos 80 era muito legal. Como deve ter sido legal ser criança no início dos anos 70, 60 e 50. Daí pra trás não sei se foi bom para as crianças, porque os conceitos de liberdade e responsabilidade eram outros. As pessoas eram impelidas a assumir responsabilidades sérias bem mais cedo. Por outro lado, com a maior parte da população brasileira vivendo em zonas rurais, a infância era com certeza mais saudável.

Esperem só, lá para 2014 o início do “revival” dos anos 90. Tentei pensar em algumas coisas que provavelmente voltarão a fazer sucesso, mas achei melhor não arriscar. Deixo esse tipo de previsão para gente mais gabaritada, como o Walter Mercado e a Mãe Diná.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Pedaços da infância

Tive uma infância muito boa, ativa, com muitas brincadeiras e estripulias. E tive também a sorte de passar grande parte dessa infância próximo a terra, quando ia com meus pais a sítios, fazendas ou chácaras para visitar algum amigo, parente ou cliente de meu pai, que era veterinário.

Conheço muitos casais cujos filhos nunca viram uma vaca ao vivo, apenas pela televisão. Não cheguei ao ponto de aprender a tirar o leite delas, porque meu pai faleceu antes de ter chance de me ensinar, mas fiz e vivi várias coisas nessa época que a maioria das crianças que moram na cidade hoje em dia nunca fará.

Eu adorava subir em árvores, como toda criança de sítio adora. Meus brinquedos preferidos nessas ocasiões eram pedaços de madeira, latas vazias de todos os tipos e tamanhos, pedras e barbante. Eu tinha brinquedos “comuns” em nossa casa na cidade, mas quando estava no sítio nem lembrava deles, preferindo os brinquedos rústicos, que a gente mesmo improvisava por lá.

Uma parte da família de minha mãe morava numa fazenda em Piracicaba (alguns ainda moram lá) e nessa fazenda havia uma máquina de beneficiamento de arroz. Para quem não conhece ou nunca ouviu falar, essas máquinas tiram a casca do arroz e o deixam branquinho, do jeito que vemos ensacado nos mercados. A palha que sobrava do processamento dos grãos era amontoada ao lado de um barracão, chegando a formar um pequeno morrinho, que acredito era depois destinado ao adubo. Uma das coisas que eu mais gostava de fazer quando ia visitar nossos parentes nessa fazenda era ficar pulando nessa montanha de palha de arroz. Seria o equivalente hoje às piscinas de bolinhas plásticas, que há em todos os parques e Buffets infantis, com a diferença que as bolinhas não pinicam e coçam como a palha coçava. Mas não tinha problema, eu não ligava para a coceira, porque a diversão era maior.

Também já dormi em colchão recheado de palha de arroz. Não sei se ainda se usa isso, mesmo na zona rural, pois atualmente os bens de consumo chegam com muito mais facilidade às áreas onde antes era raro ver uma geladeira ou ferro de passar elétrico.

Foi nessa época de criança que comecei a observar coisas muito importantes para a formação do caráter. Observava, entre outras coisas, que pobreza não tem necessariamente que ver com sujeira. Várias vezes fui com meus pais visitar amigos e parentes, tanto na zona rural quanto na cidade, que viviam de forma humilde, mas que mantinham as casas sempre limpas e aconchegantes, fossem elas com piso de cerâmica ou tijolo batido.

Várias vezes depois que fiquei adulto ouvi pessoas dando a desculpa de serem pobres para tentar justificar a sujeira em que viviam. Não aceito isso, nunca. Ser pobre não significa ser porco. E a dignidade não vem junto com o dinheiro. Já estive em casas “ricas” que davam nojo de entrar. Esse tipo de dignidade não se aprende na escola, mas em casa, passado de pai para filho. Infelizmente muitos pais hoje em dia não têm essa preocupação ou simplesmente não querem ter essa responsabilidade de transmitir bons valores éticos aos seus filhos. Depois, quando se vêem às voltas com adolescentes incontroláveis e irresponsáveis, se perguntam candidamente: “onde foi que nós erramos”?

Aí eu dou risada.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Dengue

Pensei em vários temas leves e pitorescos para a crônica de hoje, mas a “onipresente” dengue atrapalhou o desenvolvimento de outras idéias mais agradáveis.

Não, não estou com dengue, longe disso! Mas durante as últimas duas semanas, os dois temas que têm dominado o noticiário nacional (pelo menos do ponto de vista de quem está aqui em Recife) são a dengue e o assassinato da menina Isabela. Recuso-me a comentar sobre o assassinato da garotinha, por isso sobrou a dengue.

Na frente da casa de um amigo tem um terreno baldio que ocupa meio quarteirão. Ninguém limpa o tal terreno, ninguém se manifesta pra retirar mato ou entulho ali jogado. Pensávamos que o terreno pertencesse ao município, o que explicaria em grande parte a omissão. Dias atrás descobrimos que o terreno pertence a um juiz. Sim, um juiz, de qual instância, vara ou alçada não sei, mas sei que é um juiz.

Que o poder público, geralmente lerdo e omisso em suas obrigações não tomasse providências, entendo. Que um ignorante sem iniciativa fosse dono da área, possivelmente herdada de um parente distante, também entenderia. Mas uma pessoa com estudo, com um cargo de tamanha responsabilidade ética e moral, deixar abandonada uma área que só tem servido para a proliferação dos mosquitos transmissores da maldita dengue eu não entendo não. Acho que ninguém entenderia.

O que eu gostaria mesmo é de mandar para esse juiz estúpido uma caixinha contendo alguns mosquitos infectados com dengue, para que lhe dessem uma bela lição, que ele sentiria na pele, literalmente. Acham que é exagero da minha parte? Que seja. Deixo essa coisa de politicamente correto para os aloprados e idealistas de botequim. Do jeito que a coisa está, os bons pensamentos tornaram-se escassos. Deixo-os para quem os mereça.

Nunca peguei dengue, mas já conheci quem pegou, e é tão horrível quanto dizem por aí. A pessoa fica “podre”, dolorida, sem vontade de fazer nada. Eu ficava assim durante as grandes crises de gripe, quando minha sinusite atacava e me deixava de molho por uns três dias. Na pior crise fiquei cinco dias de cama, à base de chá de alho com limão, mel e analgésicos.

Na minha casa não tem focos de dengue. Não deixo água parada em lugar nenhum e o apartamento, por ser pequeno, é fácil de cuidar. Mosquitos por lá há muitos, até porque tem três terrenos baldios por perto. À noite mando brasa com inseticida, mato tudo que se mexa ou esteja voando dentro de casa. De vez em quando consigo matar no tapa as muriçocas e pernilongos, mas devido à miopia e astigmatismo, mato muito mais com veneno.

Falando em veneno, assisti ontem no programa do Faustão (argh!) um raro momento de utilidade pública, quando um médico da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) explicou, entre outras coisas, que o uso constante de repelentes pode causar intoxicação nas pessoas. Quer dizer, não caia na ilusão de ficar se besuntando com repelente e achar que não precisa destruir as larvas e mosquitos.

Todo mundo tem que fazer sua parte, nem que seja para denunciar o vizinho por omissão. Em época de epidemia a política da boa vizinhança tem que ser deixada de lado. E o juiz está na minha mira.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Projeto da casa

A casa do vizinho está em reforma. Ou se referirem, há reformas na casa do vizinho. O fato é que vem muito pó para a nossa casa.

Desde pequeno escuto minha mãe dizer que “sente arrepios só de pensar em reformar a casa”. Pouco antes de eu completar dez anos, a casa onde morávamos passou por uma reforma completa, desde a troca de encanamento até as trincas nas paredes e parte elétrica. Não lembro bem como fizemos naqueles dias, para dormir, comer e tocar a rotina da forma mais normal possível, mas lembro muito bem do pó. Pó em tudo quanto era canto, em cima de tudo, embaixo de tudo, dentro e fora, por todos os lados.

Lembro que, depois de tudo acabado, levou várias semanas para nos livrarmos de todo aquele pó. Mesmo depois de várias faxinas ainda encontrávamos vestígios da reforma em algumas partes da casa. Naquela época eu não sofria de rinite e sinusite, além de passar metade do dia brincando na rua e a outra metade na escola, por isso provavelmente fui o menos “atingido” pelos efeitos da revolução no lar.

Um di quero construir a casa dos meus sonhos. Acho que a maioria das pessoas deseja isso. Primeiro, ter uma casa própria, sem pagar aluguel, depois, uma casa confortável e sob medida para seus moradores, que atenda bem às vontades de toda a família. Não sou arquiteto, nem sei projetar uma casa, mesmo se utilizar programas específicos para isso no computador. Mas pretendo fazer os esboços e deixar ao cargo de um bom engenheiro a tarefa de transformá-los em uma planta de verdade e numa casa de verdade.

Não tenho grandes ambições quanto à casa dos sonhos. Nada de extravagante nem exótico, mas alguns pequenos confortos que planejo há tempos. Gostaria de ter uma biblioteca, ou melhor, uma sala que fosse biblioteca e sala de música, um lugar no qual eu pudesse relaxar o corpo e descansar a mente das preocupações do dia a dia. Com um divã ou espreguiçadeira para que eu possa ler ou saborear um drinque e uns petiscos, enquanto ouço boa música ou assisto a um bom vídeo. Essa sala inda não está completa na minha imaginação, mas não tem problema, pois não estou com pressa, nem tenho dinheiro para fazer isso por enquanto.

Quero um quintal de bom tamanho, com uma parte gramada e uma parte com piso. Quero pelo menos uma árvore para fazer sombra no quintal, e pretendo me sentar nessa sombra para outros momentos de relax, quando não estiver na sala de música. No fundo do quintal é imprescindível uma área de lazer, um “barracãozinho” com churrasqueira de alvenaria, uma mesa grande e rústica, com dois bancos grandes, um de cada lado da mesa, estilo sítio do interior, aonde eu e meus convidados possamos comemorar as datas importantes, os aniversários e qualquer ocasião que proporcione um pretexto para assar algumas carnes e tomar algumas cervejas. Quero ter nessa área um freezer, o qual desejo manter sempre bem abastecido, com “loiras geladas” no ponto certo.

Voltando para dentro, quero ter um banheiro de bom tamanho, nem exagerado nem apertado como um closet. Antigamente eu sonhava em ter uma banheira de hidromassagem, mas não tenho tanta certeza disso já. Minha vida toda fui acostumado com banho de chuveiro e nas poucas vezes que tomei banho de banheira não senti tanta empolgação que pudesse motivar esse investimento. Acho que um sisteminha de sauna seria mais bem vindo.

Ainda não decidi onde colocarei o bar, se na sala comum ou na biblioteca. Acho que vou deixar na sala mesmo, para não misturar os ambientes. A biblioteca será um espaço mais particular, um espaço para relaxamento individual, já a sala é um ambiente coletivo e posso receber lá os amigos para bebericar uns drinques e jogar conversa fora. Isso nos dias de frio e chuva, porque nos dias de calor iremos para o fundo do quintal, desfrutar o conteúdo do freezer.

A cozinha ainda é uma incógnita. Não pensei ainda como seria a cozinha ideal para minha casa dos sonhos. Talvez eu pense em alguma coisa ou talvez deixe essa parte para a futura senhora Antonelli, se houver uma até lá.

A garagem também não está definida, mas em princípio não penso em algo para mais de dois carros, a não ser que faça uma daquelas garagens no fundo da casa, com um corredor comprido. Nesse caso caberiam uns quatro carros. O único item já definido é o portão automático. Antes eu não via muita utilidade nisso, mas hoje em dia, com a falta de segurança em toda parte, tornou-se um equipamento quase obrigatório. E que seja rápido, pra abrir e pra fechar.

Olhando de fora será um sobrado, talvez com sótão e porão, como nos filmes americanos. Um sótão para as bugigangas e um porão para os monstros das lendas urbanas. Piscina não tenho muita vontade. Dá um baita trabalho para manter bem cuidada, hoje percebo isso. Dependendo do local onde essa casa for construída, decidirei por ter ou não uma piscina. Se não fizer muito calor a maior parte do ano, não vale a pena. Ter uma piscina em Salvador ou Recife é ótimo, já em Campos do Jordão é meio esquisito.

Vou parando por aqui. Imaginar é bom, não custa nada. Já o preço dos materiais de construção, sobretudo a parte de acabamento, são de levar a gente à loucura.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Hoje tem poesia

Hoje não tem crônica. Para variar um pouco o "cardápio", publico uma poesia que escrevi para alguém muito especial, há alguns meses. Não, não vou dizer quem é.

Soneto da Lembrança

Das melhores lembranças minhas
Tão claro e belo o teu semblante minha mente alcança
Dos momentos bons do meu passado
Tão fagueiro e lépido teu corpo na memória dança

E eu me lembro de muitos dias, de muitas horas
Nas quais mesmo sem ter-te ao lado eu te sentia
Ouvia-te falando, cantando, respirando até
E, sentindo-te perto, fugia de mim a melancolia

Passa o tempo, passa o mundo, passamos nós
Passam as tristezas e passam as alegrias
Vêm outros dias e outros lugares

Outros sorrisos e outros olhares
Dias tão quentes e noites tão frias
Mas fecho os olhos e bem perto ouço tua voz.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Por que não funciona?

Pirataria é crime

Mas o preço dos produtos originais é muito alto e os pobres não têm condições de pagar.

Façamos pressão para que as indústrias baixem o preço dos CDs, DVDs e demais produtos que são “objetos de desejo” para que eles possam competir mais no mercado com os produtos falsificados.

O mundo é capitalista e os donos de gravadoras e grandes empresas não querem nem ouvir falar em baixar os lucros!

Então não comprem os produtos!

Ahá! É quase impossível, devido ao bombardeio maciço de propaganda em todas as formas de mídia, principalmente a televisão. E um povo que não tem educação (instrução) não sabe analisar criticamente o que é bom ou ruim para si mesmo. Não sabe se protege dos ataques da publicidade que visa o consumismo puro e simples.

Então vamos dar educação para o povo!

A quem interessa educar o povo? Se o governo educar o povo, as pessoas terão capacidade de pensar criticamente, avaliar os governantes e não votar mais nos corruptos. Nenhum governo, na verdade, tem intenção de “educar” o povo, isto é, de formar cidadãos esclarecidos e conscientes.

Aliás, o tal “povo” não é inocente nessa história...

Adoram o tal “jeitinho” brasileiro, qualquer maneira de levar vantagem em tudo, como já dizia o infame Gérson. Colaboram, concordam ou se fazem de tontos com a corrupção. É a “cervejinha” para o guarda, é a furação de fila, o troco a mais não devolvido, a indicação do amigo de um amigo para conseguir um “carguinho” público, uma “boquinha” na administração pública... É se apropriar do que é alheio quando percebe que ninguém está olhando... São vários níveis de conivência e apoio ao sistema de corrupção que envolve todas as camadas humanas, desde o mendigo ao presidente da república.

No ponto em que chegamos, não há garantias que a educação, caso fosse realmente levada a sério e oferecida com qualidade no sistema público, pudesse reverter o estrago que o gosto pela corrupção causou nas pessoas. Prova disso são os programas assistencialistas.

Se existe um governo que dá migalhas todo mês, pra quê estudar ou trabalhar para ganhar o próprio sustento? Os que vivem próximo à linha da miséria acham muito bom que haja uma fonte constante de recursos, por menores que eles sejam.

E pensemos nas regiões nas quais impera a “lei do cão”, o coronelismo, a lei do mais forte, por exemplo, nas regiões de garimpo, de grande extração de madeira ou de exploração dos miseráveis na roça, principalmente nas regiões de seca severa.

Há lugares onde o próprio clima não favorece, aonde o máximo que as pessoas conseguem é um arremedo de dignidade, comendo o que tiver, do jeito que tiver, e muitas vezes conformadas porque acham que tem que ser assim mesmo.

A igreja, durante séculos, contribuiu muito para um conformismo crônico nas camadas mais pobres. Pobre sem estudo, passando fome, dependente de ajuda externa sempre pode ser melhor manipulado pelos padres, pastores, bispos, pregadores, etc etc.

A igreja tem muito sangue nas mãos, desde os primórdios do cristianismo (isso para citar só a religião cristã). Não venham agora querer se fazer de justos e inocentes tentando esconder a história! Mas, voltando ao povo...

As pessoas não têm real interesse em que tudo funcione corretamente porque sempre há algum interesse pessoal em jogo, que suplanta o interesse coletivo. Socialismo é utopia, o ser humano não é suficientemente desenvolvido para compartilhar, ele carece de dominar seu(s) semelhante(s).

Resumindo, não creio que haja esperança de um mundo “melhor” ou de um mundo “bom”, até porque o que é bom para uns nunca será bom suficiente para outros e será péssimo para outros mais.

O que fazer?

Não sei, não tenho resposta satisfatória nem mesmo para mim.

Talvez (vejam bem, talvez) um caminho seja cada um cuidar o melhor possível de sua vida, não prejudicando a vida dos que estão ao seu redor e não violando as leis “mais importantes”, porque as leis “menos importantes” são violadas cotidianamente. Cada um avalie o que é mais ou menos para si.

A história da humanidade nos mostra que os impérios dominantes (Egito, Pérsia, Roma, USA) impõem sua vontade até que surja um império mais poderoso, que por sua vez imporá sua vontade, cultura e costumes.

Não creio que seja possível sair do círculo vicioso da estupidez humana.

Boa sorte para todos!

terça-feira, 8 de abril de 2008

Que trânsito é esse?

Durante os anos que morei em Salvador, eu pensava com freqüência que o trânsito de lá era complicado, muita gente não sinalizava para entrar à esquerda ou à direita, às vezes não sinalizavam para entrar numa vaga ou sair dela. Via muita “barbeiragem” nas ruas de lá, sobretudo nas mais estreitas, fora das áreas de grande movimento.

Outro detalhe, este mais pitoresco, é que os baianos (em particular os soteropolitanos) utilizam bastante a buzina. Pra falar a verdade, eles adoram buzinar, buzinam pra tudo, pra pedir passagem, pra não dar passagem, pra cumprimentar, pra xingar, pra comemorar a vitória do time... Quando cheguei a Salvador, me disseram que havia uma lenda explicando esse fenômeno: todo baiano nasce com uma buzina e são separados na maternidade, aí o sujeito passa a vida buzinando alucinadamente pra ver se encontra sua parte perdida.

Mas o que eu queria era fazer um paralelo com Recife, capital de Pernambuco. Se Salvador tem um trânsito complicado, Recife tem um trânsito de enlouquecer! Tenho visto, em apenas 9 meses aqui, motoristas sinalizando para um lado e virando para o outro, entrando e saindo de vagas de forma inusitada, assustando o motorista que vem logo atrás, e sem sinalizar, motorista vindo pela direita numa via de três faixas e de repente atravessando lá para a esquerda, para entrar com tudo numa rua transversal, motoristas fechando outros apenas para aproveitar uma brecha na esquina e não ficar atrás do outro... Na estrada então tem sido uma aventura, porque o que mais vejo são os veículos trafegando pela faixa da esquerda, quando a pista é dupla, ao invés de ficarem na direita e deixarem os outros ultrapassarem de forma normal. Dia desses estava indo com um amigo para o interior e topamos com uma Kombi entupindo a faixa esquerda da pista. Meu amigo encostou, pedindo passagem, depois sinalizou com os faróis e finalmente só lhe restou buzinar durante uns 2 minutos, até que o irresponsável da Kombi foi para o lado direito, dando passagem. Para piorar, a tal Kombi pertencia a um órgão municipal de uma cidade aqui da região, portanto com mais obrigação de conhecer as normas de trânsito que os motoristas “comuns”, pois para dirigir esses carros o funcionário tem que ter experiência, ser profissional (pelo menos na teoria).

Não sei se é consolo, mas tenho percebido que os Recifenses não buzinam tanto quanto os baianos. Talvez fosse melhor que buzinassem mais e cometessem menos barbeiragens na condução.

O que fazer para melhorar a situação do trânsito por aqui? Não tenho certeza, mas acredito que algumas atitudes trariam grandes melhoras, como por exemplo: fiscalização real e eficiente nas vias de maior movimento; mais atenção para o estado das vias, que estão cheias de buracos e com péssima drenagem, tornando uma aventura ainda mais perigosa dirigir com chuva por aqui; mais consciência e educação por parte dos motoristas (essa é difícil); melhoria e ampliação dos sistemas de transporte coletivo, como ônibus e metrô.

Não tenho dúvidas que há dezenas de engenheiros e técnicos de trânsito com muito mais competência que eu para apresentar soluções para esses problemas, mas desconfio, que o que atravanca mesmo o processo todo seja a tal “vontade política”, clichê mais do que batido, mas infelizmente muito válido para explicar porque as coisas aqui no Brasil demoram tanto para melhorar.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Difícil de entender

Venho observando há muitos anos, pequenos gestos que ocorrem no cotidiano das pessoas, e que aparentemente não fazem sentido embora se repitam em toda parte.

Você está na fila do supermercado, aquela dos caixas “rápidos”, pra até 20 volumes (já vi caixas até 10 e até 30 volumes, mas tudo bem) e o sujeito logo atrás insiste em ficar “colado” em você, geralmente te cutucando com aquela cestinha de compras, quando não com um carrinho, que pelo certo nem deveria estar naquela fila. Como se a proximidade de alguns centímetros fizesse a fila andar mais rápido ou o fizesse chegar primeiro ao caixa. E quando a criatura que está atrás coloca a maldita cestinha no chão e a fica empurrando com os pés, batendo nos seus calcanhares a todo o momento? Se toca Mané! Eu não faço isso, então no gosto que façam comigo. Dias atrás, depois de levar algumas batidas no calcanhar, virei-me para a mulher que estava atrás de mim e perguntei:

- A senhora está com tanta pressa assim de chegar ao caixa?

Felizmente a chata entendeu o motivo da pergunta e parou de bater a cesta em mim. Da mesma forma poderia não ter entendido e ter começado uma discussão, achando que eu é que estava sendo grosso com ela.

Outro gesto difícil de entender, mas não muito, é o apertar constante do botão do elevador, imaginando que ele virá mais rápido se você apertar o botão sem parar. Compreensível do ponto de vista psicológico, até porque a maioria das pessoas vive correndo no trabalho e nos compromissos, sem tempo para refletir na inutilidade de alguns gestos. Senhoras e senhores, entendam (ou tentem): o elevador registra uma chamada em cada andar, na ordem em que as chamadas foram feitas, portanto, só resta esperar que ele chegue até seu andar, sem estresse.

Um gesto, ou melhor, um vício irritante que muitos chatos têm é de ficar te cutucando enquanto conversam com você. Há variações, por exemplo, alguns cutucam o ombro enquanto outros ficam pegando em seu braço a cada cinco palavras que dizem. Parece um desespero para não perder a atenção do pobre ouvinte. Antigamente eu suportava melhor essas grosserias, mas de uns anos pra cá adotei métodos para evitar me estressar com chatos dessa espécie. Logo nas primeiras cutucadas ou pegadas, me afasto para fora do alcance das mãos do inconveniente. Se ele se reaproxima, mudo meu ângulo para ficar a uns noventa graus em relação ao falador, dificultando assim o toque direto. Se mesmo assim o “mala” não se toca, me manifesto e digo que não gosto que fiquem me “segurando” durante a conversa, ou algo parecido com isso. Geralmente é aí que o chato fica perplexo e se dá conta de sua inconveniência. Se reincidir, me despeço e vou embora.

Psiu! Não, não estou chamando sua atenção, mas com certeza alguém já lhe chamou dessa maneira. Detesto que me chamem na rua ou em qualquer lugar através de um “psiu”. Na rua já me disciplinei desde bem novo a ignorar qualquer “psiu” pronunciado perto de mim. Parto do princípio que aqueles que me conhecem sabem o meu nome, portanto, me chamariam pelo nome, naturalmente. Mas há aqueles que esquecem seu nome e tentam chamar sua atenção através do “psiu”. A esses digo que sinto muito, mas que da próxima vez tentem lembrar meu nome e usá-lo para me chamar. Há os que têm vício de usar o “psiu”, seja por preguiça de lembrar o nome da pessoa, seja por grosseria de achar que isso é bonito, seja por arrogância de achar que o outro não merece ser chamado pelo nome. Acontece muito em empresas e residências de ricos, onde os superiores e patrões acham que não precisam se dar ao trabalho de pronunciar o nome daquele que eles julgam estar abaixo deles na escala social.

Ó fracos de mente e pobres de espírito (no sentido pejorativo, é claro).

Ser ou fazer algo inconveniente não está ligado necessariamente à categoria social, econômica, à crença religiosa ou política, ou seja, não é restrito a um determinado grupo humano. Conheci e conheço pobres muito bem educados e ricos grossos e arrogantes. Já vi analfabetos que respeitam as regras de convivência perfeitamente, enquanto portadores de mestrado zombavam de sinalização de trânsito e avisos de “proibido fumar”.

Ah sim! Não posso concluir esta crônica sem lembrar dos idiotas inconvenientes e ignorantes que fumam em lugares nos quais não é permitido, como mercados, hospitais, elevadores, restaurantes e muitos outros, aliás, todos os outros. Já fui fumante por dezesseis anos e cometi algumas gafes nesse período, como fumar em algum lugar onde não era permitido, mas apenas porque não avia visto o aviso de proibido. Hoje e dia a marcação é cerrada com os fumantes, mas até poucos anos atrás essa fiscalização quase não existia, de modo que valia o bom senso e a educação do fumante para perceber onde podia e onde não podia acender o cigarro. Atualmente a pressão antitabagista é tão grande que em alguns países o único local ainda permitido para fumantes é a rua, e longe da maioria das pessoas.

Todas as vezes que vou a um mercado perto de casa vejo alguém fumando lá dentro. Várias vezes escutei pelo sistema de auto-falantes a advertência para que os clientes não fumassem no interior da loja, e citando a lei que define isso.

Mas aos arrogantes, ignorantes e grossos por natureza nada disso importa. Continuam em sua jornada patética por este mundo, a incomodar seus semelhantes e seus diferentes, com todo tipo de inconveniência que possam dispor.

Vade retro mala-sem-alça!

sexta-feira, 4 de abril de 2008

No tempo das cartas

As cartas tinham mais emoção que os e-mails.

Há alguns dias estava comentando com uma velha amiga, com quem troquei correspondência durante alguns anos, que, no tempo que escrevíamos as cartas, parecia haver mais emoção nesse ritual. E era um ritual mesmo, desde o momento de segurar a caneta até o envio da carta no correio. Para quem está lendo estas linhas e não me conhece, tenho “só” trinta e três anos (nasci em outubro de 1974), portanto não estou citando o tempo do trem a vapor.

De poucos anos para cá a tecnologia tem facilitado e dinamizado muitas coisas em nossa vida, sendo a correspondência uma delas. A conversa que motivou este texto mesmo foi através do MSN, pois estamos distantes um do outro mais de dois mil quilômetros!

Quando escrevi a primeira carta para ela, morávamos em cidades vizinhas, distantes uns cinqüenta quilômetros uma da outra. Toda semana a gente se via, porque a família dela ainda morava na mesma cidade que eu. Quando fui para Salvador começamos a trocar e-mails e, depois disso, só nos encontramos pessoalmente duas ou três vezes. A vida de todo mundo está cada dia mais agitada.

Outra coisa que mudou muito com o advento dos e-mails foi o lixo que recebemos na correspondência. Na época pré-internet o máximo que chegava até nossas casas e nas empresas eram as infames malas-diretas com propagandas inofensivas, que bastava rasgar e jogar no lixo, ou guardar por algum tempo, se fosse interessante, e no fim do ano jogar tudo de uma vez só. Atualmente, sobretudo para os “internautas” iniciantes, é questão de pouco tempo até sua caixa postal começar a ficar lotada de “spam” (mensagens não-solicitadas), vinda dos mais diversos remetentes, desde correntes para salvar a vida de bebês com câncer até produtos milagrosos para aumento da potência sexual. Quando comecei a “navegar” na internet, em 1997, recebia, abria e lia de tudo, desde as correntes até as ofertas de ficar rico sem fazer força. Gostava especialmente das maravilhosas apresentações em Power Point, com paisagens ao fundo e trilhas sonoras com clássicos românticos em forma de midi (se não souber o que é midi, procure no Google). Hoje em dia deleto tudo isso e muito mais sem ler, especialmente e-mails que vêm com anexos de apresentações do Power Point.

Para os mais experientes no manuseio da web, há vários programas anti-spam e filtros para barrar ou ao menos reduzir esse lixo eletrônico que teima em chegar até nossos computadores, vindo não se sabe de onde. Mas spam é como vírus, você consegue evitar até uns 95%, mas sempre acaba passando um rato pelo vão do muro.

Para não pensarem que sinto tantas saudades do tempo das cartas, admito que prefiro muito mais digitar minhas mensagens e ter as facilidades de correção e envio dos textos do que nos tempos em que tinha que escrever todas elas à mão, ou à máquina, como fiz durante um bom tempo (sim, jovens leitores, tenho certificado de datilografia e uma Olivetti guardada em casa até hoje).

Quando se acostuma com as facilidades que o computador - aliado à internet - proporciona, é muito difícil abrir mão delas. Meu ponto de resistência é conseguir ainda digitar com os dez dedos, como aprendi na antiga escola de dona Olinda, em Rio Claro. De algumas coisas não se deve abrir mão.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Fogo na formatura

“A gente, quando é novo,faz muita besteira que depois se arrepende”.

A frase acima faz parte do inesgotável repertório de sabedoria popular, que começamos a ouvir assim que “nos conhecemos por gente” e continuamos a escutar até morrer.

Lembro que fiz muitas “asneiras” em minha adolescência. Talvez fosse bom comentar sobre elas apenas quando eu já estivesse na terceira idade, com o devido distanciamento histórico e a sabedoria dos anos. Sem contar na falta de lembrança dos outros para as tais asneiras cometidas por mim. Mas vamos lá, acho que posso relembrar alguns fatos sem causar grandes estragos a terceiros e quartos.

Quando concluí a oitava séria do primeiro grau (hoje ensino fundamental), achava que estava me “formando”, que ia ganhar algum diploma. Ninguém havia me explicado que não davam diploma para formandos da oitava série. Eu achava que, só pelo fato de ter conseguido sobreviver àqueles oito anos sem nenhuma reprovação (na época que ainda se reprovavam os alunos nas escolas públicas) já merecia uma medalha, ou pelo menos uma menção honrosa.

Pois não me deram nada, nem um pedaço de papel ofício com alguma mensagem encorajadora, como fariam anos depois, quando me “formei” no colegial (ensino médio). Se eu quisesse marcar aquele momento tão significativo em minha vida, teria que fazê-lo por conta própria. E fiz.

Eu tinha acabado de completar quinze anos e já fazia alguns meses que começara a sair à noite com meuá amigos e um primo. Reunimos a turma para comemorar a formatura minha e de outro amigo nosso, que estudava na mesma escola que eu. Como éramos “duros” e ninguém tinha fonte de renda fixa, fora os trocados que ganhávamos dos pais eventualmente, decidimos que a comemoração teria que ser algo simples, prático e barato. Iríamos a um bar e tomaríamos todas que nosso minguado dinheiro permitisse.

Éramos cinco moleques, de quatorze e quinze anos, pensando ter mais de vinte anos cada. Hilário. Fomos até um bar tradicional no centro da cidade e combinamos de tomar só bebidas “curtas”, tipo Martini, conhaque, campari etc. Chegando lá percebemos, após consultar o cardápio, que a grana só daria pra tomar pinga mesmo, e olhe lá. Eu ainda abusei, pedindo uma dose de licor de menta, pra colocar um gosto melhor na boca.

O dono do bar aparentemente não se importava em servir pinga para cinco adolescentes sem-noção, tanto é que nos atendeu prontamente e não “regulou” as doses. Secamos uma garrafa que estava pela metade e o cara abriu outra pra continuar atendendo a gente. Naquela época a fiscalização de bares, se havia, era mais precária que a de hoje, e parece que ninguém se importava muito com as bebedeiras dos menores de dezoito anos.

Uma característica interessante que tenho comigo é de nunca perder a consciência, mesmo estando “trêbado” e quase delirando. Por mais que eu tenha bebido, sempre me lembrei de tudo que se passou comigo e à minha volta. Lembro perfeitamente que os outros quatro tomaram três doses cada um de Pirassununga, enquanto eu tomei quatro doses dela e mais uma de licor de menta. Detalhe: não eram doses comuns, eram copos americanos cheios até a linha da borda, o que devia dar umas duas doses. Isso tudo tomado meio às pressas, porque não queríamos que passasse algum conhecido e nos visse enchendo a cara de pinga por ali. Seria uma desmoralização, que mostraria não termos dinheiro nem para tomar cerveja.

Tomamos todas, ficamos sem dinheiro e resolvemos dar uma volta pelo centro. Como tínhamos bebido rápido, as doses quase não tinham subido para a cabeça ainda, e achávamos que a pinga devia estar batizada, por causa disso.

Depois de caminhar alguns quarteirões foi que aquele álcool todo começou a fazer o efeito real em nós. Era um tal de falar mole, trançar as pernas, apoiar nos muros e postas, que só vendo para crer. Devíamos estar parecendo aqueles moradores de rua que ficam caindo pelas sarjetas depois de beber. A casa tinha caído pro nosso lado, e era óbvio que não podíamos ficar circulando naquele estado pela rua. Decidimos então voltar para nossas casas.

O caminho de volta não foi fácil, como é de se supor. A distância parecia ter dobrado e as calçadas pareciam ter muito mais buracos que antes, pois a cada três passos era um tropeção. Aos trancos e barrancos conseguimos chegar cada um em sua casa, e aí entrava em cena o fator pais, no meu caso, fator “mãe”. Eu e meu primo fomos os que tivemos mais sorte, porque quando chegamos, nossas mães estavam assistindo televisão e conseguimos despistá-las respondendo com monossílabos às perguntas sobre como tinha sido a comemoração. Depois de escapar da família era hora de enfrentar nosso pior inimigo: nós mesmos. Foi só deitar na cama e a “marvada pinga” cobrou mais forte a sua presença em minha já confusa cabeça. Se eu fechava os olhos, tudo rodava. Se ficava com eles abertos via o teto rodar, o que era um pouco menos pior. Por sorte minha mãe foi dormir cedo, e foi aí que aproveitei para ir ao banheiro e, tão discretamente quanto podia, consegui me livrar de uma parte do álcool que devia estar ainda no estômago. É, chamei o “Hugo” mesmo, pessoal. E quase acabo dormindo no banheiro mesmo, não fosse o medo de encarar a mama logo cedo naquela situação vexatória. Lavei o rosto, tomei dois copos de água (imaginava que isso iria diluir o álcool no organismo) e voltei para a cama. Ainda estava com muito enjôo e provavelmente a pressão baixa, mas também estava cansado da caminhada e consegui adormecer.

Felizmente não tinha que me preocupar com aula no dia seguinte, caso contrário seria um desastre. Acordei tarde e com a boca seca, além de uma dor de cabeça tremenda, mas pelo menos não estava mais zonzo. Bastou escovar bem os dentes e tomar um copo de café preto para as coisas começarem a voltar ao normal.

Liguei depois para os companheiros de “formatura” e soube que três deles tiveram problemas ao chegarem em casa. Felizmente os pais não chegaram ao ponto de falar uns com os outros e depois de alguns dias tudo tinha sido esquecido.

Depois disso demorei muitos anos até provar uma dose de cachaça, e quando provei foi uma de alambique, das “boas”, sem comparação com a velha 51 que quase me tinha virado do avesso aquela ocasião.

Uma coisa é certa: a conclusão do ensino fundamental ficou marcada para sempre em minha memória.