quinta-feira, 3 de abril de 2008

Fogo na formatura

“A gente, quando é novo,faz muita besteira que depois se arrepende”.

A frase acima faz parte do inesgotável repertório de sabedoria popular, que começamos a ouvir assim que “nos conhecemos por gente” e continuamos a escutar até morrer.

Lembro que fiz muitas “asneiras” em minha adolescência. Talvez fosse bom comentar sobre elas apenas quando eu já estivesse na terceira idade, com o devido distanciamento histórico e a sabedoria dos anos. Sem contar na falta de lembrança dos outros para as tais asneiras cometidas por mim. Mas vamos lá, acho que posso relembrar alguns fatos sem causar grandes estragos a terceiros e quartos.

Quando concluí a oitava séria do primeiro grau (hoje ensino fundamental), achava que estava me “formando”, que ia ganhar algum diploma. Ninguém havia me explicado que não davam diploma para formandos da oitava série. Eu achava que, só pelo fato de ter conseguido sobreviver àqueles oito anos sem nenhuma reprovação (na época que ainda se reprovavam os alunos nas escolas públicas) já merecia uma medalha, ou pelo menos uma menção honrosa.

Pois não me deram nada, nem um pedaço de papel ofício com alguma mensagem encorajadora, como fariam anos depois, quando me “formei” no colegial (ensino médio). Se eu quisesse marcar aquele momento tão significativo em minha vida, teria que fazê-lo por conta própria. E fiz.

Eu tinha acabado de completar quinze anos e já fazia alguns meses que começara a sair à noite com meuá amigos e um primo. Reunimos a turma para comemorar a formatura minha e de outro amigo nosso, que estudava na mesma escola que eu. Como éramos “duros” e ninguém tinha fonte de renda fixa, fora os trocados que ganhávamos dos pais eventualmente, decidimos que a comemoração teria que ser algo simples, prático e barato. Iríamos a um bar e tomaríamos todas que nosso minguado dinheiro permitisse.

Éramos cinco moleques, de quatorze e quinze anos, pensando ter mais de vinte anos cada. Hilário. Fomos até um bar tradicional no centro da cidade e combinamos de tomar só bebidas “curtas”, tipo Martini, conhaque, campari etc. Chegando lá percebemos, após consultar o cardápio, que a grana só daria pra tomar pinga mesmo, e olhe lá. Eu ainda abusei, pedindo uma dose de licor de menta, pra colocar um gosto melhor na boca.

O dono do bar aparentemente não se importava em servir pinga para cinco adolescentes sem-noção, tanto é que nos atendeu prontamente e não “regulou” as doses. Secamos uma garrafa que estava pela metade e o cara abriu outra pra continuar atendendo a gente. Naquela época a fiscalização de bares, se havia, era mais precária que a de hoje, e parece que ninguém se importava muito com as bebedeiras dos menores de dezoito anos.

Uma característica interessante que tenho comigo é de nunca perder a consciência, mesmo estando “trêbado” e quase delirando. Por mais que eu tenha bebido, sempre me lembrei de tudo que se passou comigo e à minha volta. Lembro perfeitamente que os outros quatro tomaram três doses cada um de Pirassununga, enquanto eu tomei quatro doses dela e mais uma de licor de menta. Detalhe: não eram doses comuns, eram copos americanos cheios até a linha da borda, o que devia dar umas duas doses. Isso tudo tomado meio às pressas, porque não queríamos que passasse algum conhecido e nos visse enchendo a cara de pinga por ali. Seria uma desmoralização, que mostraria não termos dinheiro nem para tomar cerveja.

Tomamos todas, ficamos sem dinheiro e resolvemos dar uma volta pelo centro. Como tínhamos bebido rápido, as doses quase não tinham subido para a cabeça ainda, e achávamos que a pinga devia estar batizada, por causa disso.

Depois de caminhar alguns quarteirões foi que aquele álcool todo começou a fazer o efeito real em nós. Era um tal de falar mole, trançar as pernas, apoiar nos muros e postas, que só vendo para crer. Devíamos estar parecendo aqueles moradores de rua que ficam caindo pelas sarjetas depois de beber. A casa tinha caído pro nosso lado, e era óbvio que não podíamos ficar circulando naquele estado pela rua. Decidimos então voltar para nossas casas.

O caminho de volta não foi fácil, como é de se supor. A distância parecia ter dobrado e as calçadas pareciam ter muito mais buracos que antes, pois a cada três passos era um tropeção. Aos trancos e barrancos conseguimos chegar cada um em sua casa, e aí entrava em cena o fator pais, no meu caso, fator “mãe”. Eu e meu primo fomos os que tivemos mais sorte, porque quando chegamos, nossas mães estavam assistindo televisão e conseguimos despistá-las respondendo com monossílabos às perguntas sobre como tinha sido a comemoração. Depois de escapar da família era hora de enfrentar nosso pior inimigo: nós mesmos. Foi só deitar na cama e a “marvada pinga” cobrou mais forte a sua presença em minha já confusa cabeça. Se eu fechava os olhos, tudo rodava. Se ficava com eles abertos via o teto rodar, o que era um pouco menos pior. Por sorte minha mãe foi dormir cedo, e foi aí que aproveitei para ir ao banheiro e, tão discretamente quanto podia, consegui me livrar de uma parte do álcool que devia estar ainda no estômago. É, chamei o “Hugo” mesmo, pessoal. E quase acabo dormindo no banheiro mesmo, não fosse o medo de encarar a mama logo cedo naquela situação vexatória. Lavei o rosto, tomei dois copos de água (imaginava que isso iria diluir o álcool no organismo) e voltei para a cama. Ainda estava com muito enjôo e provavelmente a pressão baixa, mas também estava cansado da caminhada e consegui adormecer.

Felizmente não tinha que me preocupar com aula no dia seguinte, caso contrário seria um desastre. Acordei tarde e com a boca seca, além de uma dor de cabeça tremenda, mas pelo menos não estava mais zonzo. Bastou escovar bem os dentes e tomar um copo de café preto para as coisas começarem a voltar ao normal.

Liguei depois para os companheiros de “formatura” e soube que três deles tiveram problemas ao chegarem em casa. Felizmente os pais não chegaram ao ponto de falar uns com os outros e depois de alguns dias tudo tinha sido esquecido.

Depois disso demorei muitos anos até provar uma dose de cachaça, e quando provei foi uma de alambique, das “boas”, sem comparação com a velha 51 que quase me tinha virado do avesso aquela ocasião.

Uma coisa é certa: a conclusão do ensino fundamental ficou marcada para sempre em minha memória.

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