quinta-feira, 24 de abril de 2008

Experiência

Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei”.

Embora já tenha lido, ouvido e mesmo repetido esta frase inúmeras vezes, até hoje não sei se existe um lugar chamado Pasárgada, ou se Manuel Bandeira estava apenas usando uma figura de linguagem.

Várias vezes desejei estar em lugares totalmente diferentes dos quais me encontrava, especialmente em situações que exigiam decisões importantes ou posicionamentos pessoais mais delicados. É a velha história de querer que a terra se abra e nos engula para podermos sumir dali bem rápido.

Tenho, entre outras características psicológicas, a facilidade de adaptar meu pensamento e comportamento a vários tipos de manifestações culturais e filosóficas. Como quando li uma série de livros sobre a cultura árabe e desejei ser um muçulmano, tentando adaptar meu raciocínio à lógica dos povos do oriente médio. Ou quando estudei sobre zen-budismo e desejei ser um monge, um eremita, isolado em alguma montanha no Himalaia, em busca da verdade do universo. Também já me imaginei como um judeu dos tempos bíblicos, tentando estruturar minha crença e costumes em meio à inúmeras pequenas guerras por controle de territórios.

Enfim até hoje não sei se é apenas uma característica pessoal ou um problema psicológico real, do qual a denominação ignoro ainda. Talvez um desvio de personalidade, talvez múltiplas personalidades, talvez personalidade nenhuma. O fato é que convivo com isso desde que me conheço por gente e, aos trinta anos, não imagino se um dia deixarei de ter esses exercícios mentais (pela falta de melhor nome agora).

Já tive várias crenças diferentes. Já acreditei que havia um São Jorge na lua; já acreditei que o homem havia chegado lá (hoje não tenho certeza); acreditei que os comunistas eram maus e queriam destruir o mundo; acreditei que o mundo era injusto, mas haveria uma justiça segura esperando pelos que fizessem boas obras em vida; acreditei que os professores sempre tinham razão e sabiam a verdade de tudo que nos ensinavam; acreditei que se você amasse alguma coisa ou alguém com todas as forças e por muito tempo, esse amor seria correspondido, ou eu seria recompensado ao menos em parte por amar demais; acreditei que somente com trabalho honesto e estudo se pode crescer na vida e realizar nossos sonhos (pelo menos a parte da honestidade sempre foi meu forte). E acreditava em um monte de outras coisas, grandes ou pequenas, que, ao longo do tempo, ou foram perdendo o sentido ou modificando seu sentido original perante meu entendimento, que também se transformava conforme eu amadurecia.


Mas nós, seres humanos bípedes e dotados de raciocínio lógico somos complexamente interessantes e imensamente fascinantes em nossa diversidade psicológica. Acho que alguém já fez essa analogia, senão, faço-a eu agora: o ser humano constrói castelos de areia sempre mais caprichados, só para derrubá-los e construir outros, sucessivamente. Uma analogia não tão radical se comparada à prática de alguns monges tibetanos, que confeccionam completíssimas mandalas multicoloridas, só para admirá-las por alguns instantes e logo depois destruí-las e iniciar a confecção de outra totalmente diferente. È, para mim, uma das mais belas demonstrações da transitoriedade do universo e do desapego aos bens materiais. Nunca chegamos a possuir algo realmente, pois a certeza sobre a vida se esvai em um instante chamado morte.

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Escrevi o texto acima em 2006, mas continua incomodamente atual.

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