quarta-feira, 2 de abril de 2008

Entorpecentes populares

A religião é o ópio do povo”.

Essa frase de Karl Marx, dita e repetida inúmeras vezes pelos comunistas, pelos “de esquerda” e por aqueles que não se dão muito bem com as igrejas, reflete uma preocupação com o entorpecimento da sociedade através do controle religioso, o que poderia impedir o progresso coletivo em áreas de maior importância para o desenvolvimento de uma nação, tais como cultura, indústria, comércio, saúde, educação etc.

Não quero aprofundar essa polêmica, até porque não sou sociólogo nem filósofo para fazer esse tipo de análise em profundidade, que, aliás, tem sido feita por gente bem capacitada nessas áreas, há muito tempo.

Quero falar de “entorpecentes individuais”, e não coletivos. Mas não de entorpecentes químicos ou de alucinógenos encontrados em plantas e minerais na natureza. Acredito que cada um tem seu próprio “entorpecente” pessoal, que encontra ou cria por força das circunstâncias e da pressão do cotidiano, cada vez maior na realidade contemporânea, como vivem repetindo os sociólogos de nosso tempo.

Eu, por exemplo, desde que larguei o “vício” da religião, tenho tentado me dedicar a um vício que cultivava no passado: escrever. Durante alguns anos parei de escrever, pelo menos no volume que escrevia antes. Na adolescência comecei com as poesias, depois passei às crônicas e até uma pequena novela, que não cheguei a concluir. Numa época escrevi matérias para um jornal semanário lá em Rio Claro, durante mais ou menos um ano. Até onde me lembro não cheguei a escrever nenhum conto. Admiro os grandes contistas brasileiros, como Ruben Fonseca, Machado de Assis, Guimarães Rosa e outros (tenho tentado me conter nas citações, pois, quando percebo, já escrevi um monte de nomes) e espero algum dia escrever ao menos um conto, nem que seja só a título de “gol de honra”. A crônica, sem dúvida, é meu estilo preferido de texto.

Continuando, meu ”ópio” atualmente tem sido a escrita, ou melhor, a digitação no computador, depois que aposentei a máquina de escrever. Para muita gente que conheço, o “ópio” é a televisão, para outros, o futebol, o tricô, palavras cruzadas, a fofoca... Mas aí vem alguém e me diz:

- Isso são passa-tempos, hobbies, distrações às quais as pessoas recorrem para aliviar o estresse do dia a dia.

Sem dúvida, para muitas pessoas várias dessas atividades são distrações. Pensando melhor, acho que o que diferencia um passa-tempo de um vício são a freqüência com que o repetimos e a importância que damos a ele. Será que acertei?

O futebol é o mais fácil de confundir, pois já vi torcedores de todos os níveis de empolgação, desde apreciadores eventuais até os fanáticos que matam e morrem pelo time “do coração”.

Certa vez, assistindo de madrugada um programa sobre filosofia (esses programas só passam de madrugada), o filósofo que estava sendo entrevistado falou que as sociedades só crescem, ou crescem com certeza mais, no conflito. Transportando para os indivíduos, ele afirmou que crescemos muito mais com o conflito, com o incômodo, do que com a paz e a tranqüilidade. Concordei plenamente e, desde então, tenho propagado essa idéia.

Crescemos muito mais em épocas de conflito do que quando estamos numa fase sossegada, sem muitas preocupações. Quando ficamos impacientes, incomodados, com raiva de alguma coisa, aí é que seguimos em frente, que provocamos o desenvolvimento a qualquer custo. Por isso gosto muito mais daquilo que me instiga a pensar, que me incomoda as idéias e mexe com minhas “verdades” do que com aquilo que me afaga o pensamento, me deixando numa “zona de conforto” mental morna e pegajosa (é, me incomoda mesmo).

Acho que é mais saudável dizer “duvido” do que dizer “amém”. Criticar por criticar, ou duvidar apenas por esporte não é sensato. Também não se tira cara ou coroa para escolher no que se acredita ou não. O questionamento tem que vir naturalmente, como costumam dizer os evangélicos a respeito do “chamado de Deus para sua vida”. E essa capacidade de questionar vem junto com o crescimento intelectual, com a leitura, com a observação do que está ao nosso redor e, mais profundo ainda, do que está dentro de nós. Se você quer questionar apenas para parecer crítico e intelectual perante os outros, não questione. Provavelmente você será tomado por tolo e sua decepção será muito grande quando descobrir isso, se descobrir.

Adote um bom vício. Consuma um “ópio” que faça você crescer enquanto pessoa, que o transforme num ser pensante, diferente da massa de gado que vai passando na beira da estrada.

Nenhum comentário: