quarta-feira, 30 de abril de 2008

Aparências

Ontem pela manhã, durante minha caminhada diária a caminho do trabalho, um rapaz me abordou e perguntou se aquela era a agência do banco HSBC ali perto do shopping Guararapes. Na hora os velhos instintos de paulista vieram à tona e “medi” o sujeito de cima a baixo, tentando prever algum golpe como tantos que acontecem diariamente nas ruas. Eu estava vestido com tênis, short, camiseta, boné e mochila; ele usava calça jeans, sapatos estilo mocassim, camisa de abotoar, de manga curta e para fora da calça; era moreno queimado de sol e tinha bigode e cabelo preto. Enfim, aparência limpa, de um trabalhador como tantos outros que a gente encontra nas ruas. Nada que me fizesse pensar tratar-se de um bandido. E realmente não era.

Primeiro respondi que não sabia direito, até porque não era cliente daquele banco. Ele me estendeu um papel e perguntou novamente, se aquela agência era a mesma que estava anotada ali. Peguei o pedaço de papel escrito com boa letra e conferi que o endereço estava correto. Só aí reparei no detalhe: o rapaz era analfabeto. Talvez só soubesse assinar o próprio nome ou nem isso. Ele havia decorado as informações mais importantes: que a agência era numa avenida grande perto do shopping. Eu não precisava deduzir se era ou não, estava escrito no papelzinho o nome da avenida e o número do prédio.

Aparências podem enganar qualquer um a qualquer hora. Eu estava me preparando para qualquer tipo de malandro ou assaltante, mas não previa um rapaz analfabeto. Enganos da vida moderna e de uma sociedade cada vez mais amedrontada pela violência. Se eu fosse um turista no Rio de Janeiro e a cena se repetisse, nem teria parado para dar atenção, trataria logo de ganhar distância do desconhecido. Parece que infelizmente a conjuntura nos força a assumir preconceitos que não tínhamos e não gostaríamos de ter.

Lembrei agora da música “Rei do gado”, famosa na interpretação de Tião Carreiro e Pardinho. Conta um “causo” sobre um rico e arrogante fazendeiro de café que, certo dia, encontra um forasteiro num bar. Após vangloriar-se de todo café que produzia e das riquezas que possuía, o “barão” do café descobre que o sujeito de aparência humilde era na verdade um grande criador de gado. Essa é uma das mais famosas modas de vila sertaneja do Brasil.

Acredito que haja uma “Lei de Murphy” para essas ocasiões, nas quais o apressado em julgar seus semelhantes geralmente se dá mal ou é ridicularizado por sua conclusão precipitada. Já presenciei alguns acontecimentos desses e ouvi falar de outros tantos. Um velho amigo conta que, durante viagem ao interior de Goiás, enquanto prestava serviços a um cliente que ele imaginava ser proprietário de um pequeno sítio, foi testemunha de um desses julgamentos precipitados. Logo no primeiro dia o tal cliente, “seu“ José, chamou meu amigo para acompanhá-lo a uma loja, pois precisava comprar alguns implementos agrícolas. Chegando na loja, “seu” José foi olhando algumas máquinas e acessórios e um vendedor logo veio lhe cumprimentar e perguntar o que desejava. “Seu” José disse que precisava comprar uma moto serra e o vendedor o levou, juntamente com meu amigo, até uma mesa e deixou-os sentados lá enquanto ia pegar um catálogo.

Nesse meio tempo meu amigo pensava: “Puxa, que vendedor bacana, acho que já conhece o “seu” José. Uma moto serra é caríssima. Coitado, acho que vai dividir em mais de vinte pagamentos, pagando juros altíssimos”.

O vendedor não demorou muito e voltou com alguns catálogos, com marcas e modelos de moto serra. “Seu” José escolheu uma de tamanho e potência médios e, depois de saber quanto custava, disse ao rapaz:

- Ocê faiz um discontinho baum nessa moto serra?

- Claro, “seu” José! O senhor sabe que aqui o cliente sai sempre satisfeito, ainda mais o senhor, que já é nosso cliente há tantos anos. Vejamos, tirando aqui 10% fica em “x” a moto serra, ta bom pro senhor?

E meu amigo em pensamento: “Vixe, que máquina cara! Mas 10% é um desconto bom, quem sabe “seu” José consiga pagar com um bom financiamento”.

Nesse instante “seu” José saca do bolso um pacote de notas de cinqüenta reais e coloca em cima da mesa, dizendo:

- O sinhô pode contá pra vê se tá tudo certo? Acho que tem troco ainda.

Meu ficou estupefato, arregalou os olhos e abriu a boca.

O vendedor, com a naturalidade de quem estava acostumado com essas situações, contou as notas, retirou o valor suficiente para pagar a moto serra, foi até o caixa e voltou com o troco e a nota fiscal. Ainda perguntou:

- O senhor vai levar agora ou quer que mande entregar na fazenda?

- Pode entregá por lá mesmo, porque eu tenho que fazê uns negócio pela cidade ainda.

- Pois não, “seu” José. Logo depois do almoço já estará entregue.

- Entaum ta ótimo, Marcelo. Vô andando pra módi conversá com o gerente do banco. Inté mais.

- Até logo, “seu” José. Abraço na família.

- Iguarmente.

Bom, no restante da viagem meu amigo descobriu que “seu” José não era um sitiante, mas um grande fazendeiro, que era muito querido e respeitado em todos os lugares aonde ia, que não confiava muito em guardar dinheiro no banco, preferindo guardar a maior parte na fazenda e, principalmente, que não aparentava nem de longe ter tudo que tinha em bens materiais.

Todo mundo já ouviu aquele provérbio “as aparências enganam”, mas nunca é demais reforçar a verdade contida nessas palavras.

Utilizando outro dito da sabedoria popular, “nem tanto ao mar nem tanto à terra”, acho que é inevitável alguns julgamentos que fazemos no cotidiano, mas isso é assunto pra outra crônica, senão esta aqui vai virar uma epístola.

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