terça-feira, 15 de abril de 2008

Pedaços da infância

Tive uma infância muito boa, ativa, com muitas brincadeiras e estripulias. E tive também a sorte de passar grande parte dessa infância próximo a terra, quando ia com meus pais a sítios, fazendas ou chácaras para visitar algum amigo, parente ou cliente de meu pai, que era veterinário.

Conheço muitos casais cujos filhos nunca viram uma vaca ao vivo, apenas pela televisão. Não cheguei ao ponto de aprender a tirar o leite delas, porque meu pai faleceu antes de ter chance de me ensinar, mas fiz e vivi várias coisas nessa época que a maioria das crianças que moram na cidade hoje em dia nunca fará.

Eu adorava subir em árvores, como toda criança de sítio adora. Meus brinquedos preferidos nessas ocasiões eram pedaços de madeira, latas vazias de todos os tipos e tamanhos, pedras e barbante. Eu tinha brinquedos “comuns” em nossa casa na cidade, mas quando estava no sítio nem lembrava deles, preferindo os brinquedos rústicos, que a gente mesmo improvisava por lá.

Uma parte da família de minha mãe morava numa fazenda em Piracicaba (alguns ainda moram lá) e nessa fazenda havia uma máquina de beneficiamento de arroz. Para quem não conhece ou nunca ouviu falar, essas máquinas tiram a casca do arroz e o deixam branquinho, do jeito que vemos ensacado nos mercados. A palha que sobrava do processamento dos grãos era amontoada ao lado de um barracão, chegando a formar um pequeno morrinho, que acredito era depois destinado ao adubo. Uma das coisas que eu mais gostava de fazer quando ia visitar nossos parentes nessa fazenda era ficar pulando nessa montanha de palha de arroz. Seria o equivalente hoje às piscinas de bolinhas plásticas, que há em todos os parques e Buffets infantis, com a diferença que as bolinhas não pinicam e coçam como a palha coçava. Mas não tinha problema, eu não ligava para a coceira, porque a diversão era maior.

Também já dormi em colchão recheado de palha de arroz. Não sei se ainda se usa isso, mesmo na zona rural, pois atualmente os bens de consumo chegam com muito mais facilidade às áreas onde antes era raro ver uma geladeira ou ferro de passar elétrico.

Foi nessa época de criança que comecei a observar coisas muito importantes para a formação do caráter. Observava, entre outras coisas, que pobreza não tem necessariamente que ver com sujeira. Várias vezes fui com meus pais visitar amigos e parentes, tanto na zona rural quanto na cidade, que viviam de forma humilde, mas que mantinham as casas sempre limpas e aconchegantes, fossem elas com piso de cerâmica ou tijolo batido.

Várias vezes depois que fiquei adulto ouvi pessoas dando a desculpa de serem pobres para tentar justificar a sujeira em que viviam. Não aceito isso, nunca. Ser pobre não significa ser porco. E a dignidade não vem junto com o dinheiro. Já estive em casas “ricas” que davam nojo de entrar. Esse tipo de dignidade não se aprende na escola, mas em casa, passado de pai para filho. Infelizmente muitos pais hoje em dia não têm essa preocupação ou simplesmente não querem ter essa responsabilidade de transmitir bons valores éticos aos seus filhos. Depois, quando se vêem às voltas com adolescentes incontroláveis e irresponsáveis, se perguntam candidamente: “onde foi que nós erramos”?

Aí eu dou risada.

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