Antigamente (dez ou vinte anos atrás), gravar um LP (“long play”, ou disco, para quem não sabe ou não se lembra) custava caro, muito caro. Era uma tecnologia que não permitia cópias piratas, porque o pirateiro teria que utilizar os mesmos métodos de produção das gravadoras, ou seja, seria melhor montar uma gravadora também e produzir seus próprios discos.
Hoje em dia, com o acesso às tecnologias facilitado pelos baixos custos, “qualquer um” pode gravar seu próprio CD, ou publicar sua música ou vídeo na internet de graça. Está aí o You Tube que não me deixa mentir.
Com grandes revoluções vêm grandes efeitos colaterais. Assim como a revolução industrial provocou milhares de demissões e falências entre a classe artesã e os pequenos produtores, assim também a qualidade do que se ouve e vê atualmente parece ter caído muito. Havia, é claro, bandas bregas, artistas de gosto duvidoso nos palcos do país e muitos que desapareceram por falta de talento ou de um “padrinho” na mídia. Mas muita coisa boa permaneceu.
Enquanto estávamos na fase dos “bolachões de vinil”, Havaí uma espécie de seleção natural que deixava os bons artistas em evidência por anos, e sepultava os fracassados no pó da estrada. É, a grande mídia é realmente um mercado selvagem. Hoje, no entanto, com o acesso facilitado à exposição pública, temos aí todo tipo de estilo e batida, para agradar e desagradar a todos, sem poupar ninguém. Imaginem aí a cena numa dessas gravadoras especializadas em artistas “populares”:
- Boa tarde. Podem sentar, por favor. Hã, vocês são mesmo a banda...
- Tanga-roxa. A nova sensação do “afróxa”!
- Perdão, como disse?
- A gente somos a nova sensação do axé da Bahia, mano! Os tanga-roxa.
- Entendi. E o que é “afróxa”?
- É o novo ritmo que chegou pra abalar a Bahia. Porque um tempo atrás apareceu um ritmo que era o “arrocha” (Nota: isso é verdade, não inventei o arrocha). Então a gente resolvemos fazer o inverso, porque já que arrocha, tem que afroxá. Senão não dá.
- Entendo. Mas me apresente a banda aí.
- A Tanga roxa é formada por: Néco frôxo, que sou eu, Mano Brocha, Cumpádi Flácido e as dançarina Amanda Brasa e Arlinda Bocão.
- Meu Deus!
- É isso aí, mano! Nóis vamo abalá até as porta do céu com o nosso sucesso.
- Mas peraí. Vocês têm um baita sotaque de paulistanos, como querem fazer sucesso na Bahia?
- Ah mano, o mercado lá pra baixo tá saturado, tá ligado?
- Tô “ligado”, mas na Bahia já tem muita banda de axé também. Porque vocês acham que vão conseguir um espaço na mídia?
- Por causa das “mina”, mano. A gente já bolamos o plano todo, ta ligado? A gente começamos devagar, fazendo shouzinho na periferia, nas casa de show mais afastada e daqui a um mês nóis inventa um escândalo pra sair no jornal e na TV. Vamo dizer que o Cumpádi Flácido teve um caso com a Arlinda Bocão, eles brigaro e ela saiu do grupo e vai tacá ele na justiça, com ação de paternidade e as pensão alimentícia tudo, mano. Aí a gente fazemos um concurso pra escolher a nova dançarina da Tanga Roxa.
- Já vi isso antes. Será que vai dar certo?
- Claro que vai, mano. Até porque já temos a vencedora, que vai ser a “mulher serigüela”, que é prima segunda da Arlinda.
- Mulher-serigüela?? Mas por que esse nome?
- É que as outra fruta não tava mais disponível, mano.
- Sim, e aí vocês acham que esse plano vai dar certo? Vocês vão conseguir divulgação suficiente na mídia e vão “estourar” nas rádios e casas de shows?
- Bom, mano, estourar nas rádios a gente sabe que é mais com vocês aqui, da gravadora. Parece que tem que pagar um tal de “jabá” aí, ta ligado?
- Tô ligado.
- E além do mais nossa música é de qualidade. A gente vamos vencer pelo talento. Se liga só na letra do primeiro sucesso:
“Chegou a tanga roxa, que veio pra abalar
Põe a mão na cintura e se prepara pra afroxar.
Afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa.
Afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa.
A tanga vai caindo, a bundinha vai subindo
Agora eu quero ver todo mundo afroxar.
Afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa.
Afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa, afroxa".
- E aí, mano? Tamo dentro?
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